quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ó stôra, porque não se faz assim o ano todo?

"A minha obra prima" - Joana Paiva
          No final do 2º Período de um já muito longínquo ano lectivo, os professores de Matemática de uma escola EB 2/3 da Cova da Beira deparavam-se com um elevado insucesso no 5º ano.
          Tendo como pressuposto que o processo activo de criar conhecimento se destingue do simples dominar de conceitos e algoritmos, desenvolveram, no ano lectivo seguinte,  o projecto Matemática - Experimentação e Construção com o objectivo de analisar em que medida a aprendizagem centrada em situações problemáticas "experimentais" poderia contribuir para diminuir o insucesso verificado no ano anterior. Assim:
- As estratégias de ensino deveriam incidir no envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem e não na simples transmissão de conhecimentos;
- O “laboratório de matemática” seria um dos contextos de ensino/aprendizagem, facilitador da experimentação, formulação e validação de hipóteses e estimulador da utilização de capacidades e competências tais como planear, organizar, observar, medir, manipular e interpretar, tendo em vista a construção de saberes.
            A nível da disciplina, visto que nem todas as turmas integravam o projecto, a preparação foi feita durante o primeiro e segundo períodos, tendo, principalmente, em vista a integração dos conteúdos a explorar na planificação anual. O design das tarefas foi estabelecido pelos três professores envolvidos no projecto.
As actividades foram realizadas, em pequenos grupos, no âmbito da disciplina (semanalmente, eram utilizados dois tempos lectivos consecutivos), envolvendo quatro turmas do 6º ano de escolaridade. Centraram-se em temas da geometria, essencialmente do 5º ano de escolaridade (devido ao insucesso anteriormente referido os conteúdos programáticos daquele ano não tinham sido cumpridos).
O trabalho com os alunos foi predominantemente desenvolvido na sala de Informática, o Cabri-géomètre foi o micromundo utilizado, a par com materiais próprios da disciplina (régua, transferidor, calculadoras,...) e de uso corrente.  As aulas decorreram na sala de Ciências da Natureza quando a “pesquisa” necessitava de materiais próprios das ciências experimentais.

As aulas do projecto ocuparam cerca de dezasseis horas:
         Durante o mês de Novembro, realizaram-se duas sessões, de duas horas cada, que tinham como objectivo principal familiarizar os alunos com as principais funcionalidades do Cabri - géomètre, através de um problema de construção (do rectângulo). Pretendia-se, igualmente, que através da resolução do problema, os alunos adquirissem as noções de paralelismo e perpendicularidade.

        O tema trabalhado no segundo período, tinha como objectivo fundamental que os alunos iniciassem, de modo mais sistemático, a formulação e validação de conjecturas. O conteúdo escolhido foi a soma das amplitudes dos ângulos internos de um triângulo. As actividades envolveram corte e colagem, medição e o Cabri-géomètre.

Segue o guião do trabalho
Material
Régua
Transferidor
Tesoura
Cola
Computador e programa Cabri - géomètre

1. Desenha um triângulo.



1.1. Usa o transferidor e mede a amplitude de cada um dos ângulos internos do triângulo. Regista-as.


1.2. Calcula o valor da soma das amplitudes dos ângulos internos do triângulo.

1.3. Compara o resultado a que chegaste com os dos teus colegas de grupo.
O que concluis?

2. Copia o triângulo que desenhaste em 1.  Recorta, justapõe e cola os três “cantos” de modo a que os três vértices fiquem unidos.



2.1. O que observas?

2.2. Compara o teu trabalho com o dos teus colegas e tira uma conclusão.

3. Utiliza agora o Cabri - géomètre para verificares os resultados registados em 1.3. e 2.2..
ATENÇÃO: Vais utilizar o Jornal de Sessão para poderes rever o teu trabalho.

4. Regista as tuas conclusões, justificando-as o melhor possível.

         No terceiro período (quatro sessões de duas horas), as actividades incidiram no conceito de volume, unidades de volume e capacidade, volume do paralelepípedo e do cubo.
  
A partir do segundo período, cada grupo de alunos terminava a actividade com a escrita de um relatório. No grupo turma eram discutidos os processos utilizados e os resultados obtidos, tendo em vista a institucionalização do conhecimento.
          A avaliação teve um carácter eminentemente formativo e baseou-se em grelhas de registo dos objectivos atingidos (em cada sessão, fez-se a observação focalizada de um ou dois grupos de alunos), trabalhos (escritos / informáticos) e relatórios dos alunos.

No final do ano, foi feita uma “exposição do laboratório” com as situações problemáticas, guiões orientadores da resolução e os materiais utilizados para apoio às actividades, tendo alunos de outras turmas / anos vivido, durante dois dias, a experiência do Matemática - Experimentação e Construção.

Alguns alunos que participaram activamente nesta “exposição do laboratório” perguntavam:
          “Ó stôra, porque não se faz assim o ano todo?”

Resultados
Devido ao reduzido número de aulas que funcionaram com a metodologia experimental, os resultados foram fruto tanto de uma avaliação formal como de uma aproximação intuitiva à realidade.
          Os alunos revelaram gostar da metodologia seguida e preferir estas aulas às de cariz mais tradicional. No entanto, alguns não deixavam de transmitir a preocupação de estarem “atrasados”, quando comparavam a sua aquisição de conhecimentos com a de outras turmas, tomando como ponto de referência o manual escolar.
O projecto terá influenciado positivamente as atitudes dos alunos relacionadas com trabalho de grupo, autonomia e gosto pela pesquisa. Os resultados foram menos satisfatórios quanto à consecução dos objectivos referentes ao desenvolvimento de capacidades (de resolução de problemas e de comunicação) e construção / aquisição de conhecimentos.
         Nas reuniões de equipa foi, por várias vezes, posta a hipótese de que os resultados menos positivos quanto a construção de conhecimentos se poderiam ficar a dever essencialmente ao facto dos alunos não estarem habituados a envolver-se na construção activa da sua aprendizagem, o que implicaria que metodologias centradas no aluno só poderiam surtir efeitos a médio prazo e depois de um trabalho continuado, que não foi possível realizar.

Conclusões
Pareceu aos professores intervenientes no projecto que os alunos demoravam muito tempo na realização das actividades (estas ocupavam em média o dobro do tempo previsto) do que teria resultado atraso no cumprimento do programa, quanto à aquisição de conhecimentos.  “Desmoralizados” decidiram que, no próximo ano, “abandonariam” a “experimentação e a construção”, tendo voltado ao esquema de quatro horas semanais separadas, gerindo o ensino de um modo mais tradicional.
E surpresa das surpresas! No final do ano, turmas com características algo semelhantes às intervenientes no projecto não tinham ficado mais adiantadas no “programa”.
“Afinal, a experiência não teria causado atraso no cumprimento dos conteúdos programáticos!” - comentou-se - “E os alunos deste ano não puderam gozar do computador, dos berlindes, da discussão...”

Poucos anos mais tarde, a Reorganização Curricular "enquadrou" esta experiência.
Hoje essa mesma Reorganização está posta em causa. As competências foram consideradas inúteis pelo actual Ministro da Educação. As condições de trabalho, nas escolas, deixarão pouco tempo para planificar actividades deste tipo. 


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